Zen

... in silence

terça-feira, julho 14, 2009

Avô Damasceno

O meu avô morreu em 2004.
Morreu no dia 1 de Agosto, nos meus braços.
Passei a última semana da vida dele com ele. Como passei grande parte do resto da minha vida. Mas aqueles últimos dias, ainda sem saber, vivi-os como se fossem os últimos a que tinha direito. Todos os dias à hora do jantar, fazia-lhe companhia, obrigava-o a comer mais qualquer coisinha para o ver ganhar novas forças e achava eu recuperar. Nos últimos dias melhorou. Tanto que nem parecia o mesmo. Convenci-me de que ia ficar bom e não tardava nada voltava a ser o que sempre foi. Refilão e com a última palavra a dizer. Mas não. Vim mais tarde a conhecer o conceito das "melhoras da morte". E foi um choque ainda maior.
Ontem foi o dia do fim. Ontem sim, pude acabar o luto. Passados quase 5 anos, finalmente o meu avô pode ter descanso. Acabaram as intrigas e as partilhas. Já está decidido quem fica com o quê. Mas a maior perda fica para nós, para mim, para o meu irmão e a minha mãe que perdemos o nosso avô e pai. Os outros que não lhe ligaram nunca, não perdem grande coisa.
Já não há a Águia de prata de asas abertas por cima da televisão, nem o Touro viril, a simbolizar o seu grande amor benfiquista e à terra que o viu nascer. Já não o vejo outra vez com o seu fatinho de manga curta azul bebé. Para o Verão. Com sapato a condizer. Ou com o fato roxo de Inverno. Igualmente com o sapato a condizer. Tinha toda uma colecção de sapatos iguais iguais cada qual de sua côr. Nem a usar a sandaleca com a bela da meia branca. Ou a unha do dedo mindinho da mão muito maior que todas as outras mas arranjadinha. Para coçar o ouvido. Já não o vejo mais com a sua marca do tempo no nariz de usar sempre o mesmo tipo de óculos, pesado. Já não o vejo a reclamar ao telefone aos insultos a todo e qualquer um que lhe ligasse a impingir seja o que fôr. Deixa saudades, muitas saudades. E deixa histórias, hilariantes.
Mas finalmente, deixam de dividir toda a memória do que construiu do nada, em mil e um pedaços cujo valor monetário apenas lhes interessa. E deixam-no em paz.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial